sexta-feira, 23 de novembro de 2007

- Oaxaca: dias de insurreição -

Artigo cronológico sobre o levante em Oaxaca
- Oaxaca: dias de insurreição -
(enviado pelo Companheiro Michael - Granja Portugal)

*O início do levante*




Em maio de 2006 mais de 70 mil trabalhadores e trabalhadoras do magistério no Estado de Oaxaca, México, entraram em greve reivindicando aumentos salariais e condições mais humanas de trabalho. Após quase um mês de agitação grevista, no dia 14 de junho a repressão estatal em cima do povo chegou a um auge em que a tropa de choque espancou todas e todos que estavam manifestando na praça central da cidade. Centenas de pessoas foram presas e a rádio comunitária de professores/as foi brutalmente atacada, o que resultou em dezenas de feridos e feridas.

No início da semana seguinte, inúmeros movimentos sociais começaram a se somar às mobilizações. Cerca de 365 organizações populares se reuniram em massa e decidiram, em um congresso geral altamente representativo, a fundação do que seria e está sendo a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO). Com o intuito de agregar à greve do Magistério maiores demandas, exigiam, principalmente, a saída do governador Ulises Ruiz, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e também a gestão do Estado pelo próprio povo através de assembléias populares municipais, organizadas de baixo para cima.

Com o passar do mês de junho, a APPO começou a se auto-organizar e cada vez mais a população foi aderindo à luta, pessoas jovens, adultas, da terceira idade, homens, mulheres, garotas e garotos, indígenas e camponesas e camponeses de todos os setores da sociedade estavam juntas em torno de um objetivo: autonomia dos povos, idéia que tem a mesma semente das associações de bairro autônomas, das cooperativas autogestionadas, das padarias comunitárias e dos movimentos sociais no geral, ou seja, criar o poder popular.

No dia 2 de agosto uma marcha de duas mil mulheres ocupou e tomou o canal de televisão estatal Canal 9 (que ficou sob posse delas até dia 21) e suas emissoras de rádio. Na madrugada do dia 22, saindo do Canal 9, caminharam em direção a doze radiodifusoras da cidade e ocuparam todas elas.

A partir daí o levante estava declarado. Com o passar dos dias todos os prédios públicos foram ocupados, o Zócalo, mais conhecido por aqui como Paço (praça central onde ficam os edifícios dos poderes constituídos), estava sob o poder do povo ou seja, a prefeitura, o tribunal de justiça e o ministério público estavam tomados. Existiam nas ruas de Oaxaca mais de 3 mil barricadas e plantões da APPO, o clima de ingovernabilidade institucional estava estabelecido, não se via mais a polícia municipal dando conta das manifestações nas ruas e o prefeito não mais se encontrava na cidade. Setembro já chegava ao fim e a luta se preparava para ir além em seus atos quando a repressão estatal começou a aumentar com uma crescente militarização ao redor da capital ? helicópteros, navios e caminhões das forças nacionais já a circundavam, deixando a situação altamente tensa.

Ao mesmo tempo em que o povo oaxaquenho lutava pela retirada de Ulises Ruiz do governo do Estado de Oaxaca, manifestava também seu repúdio à posse do novo presidente da nação mexicana, eleito numa eleição vulgarmente fraudada em que o eleito, Felipe Calderón do Partido Ação Nacional (PAN), venceu por uma diferença de 0,5% o candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD), Andrés Manuel López Obrador.


*O Ataque à Comuna*



No dia 16 de outubro, vinte e um integrantes da APPO instalaram um acampamento no Centro Histórico da Cidade do México e permaneceram em greve de fome durante mais de um mês. E na sexta-feira, dia 27 de outubro, Bradley Roland, jornalista-ativista do Centro de Mídia Independente (CMI - www.midiaindependente.org) de Nova York ( http://nyc.indymedia.org) foi assassinado com um tiro no peito em frente ao palácio municipal na cidade de Caliente. Brad Will estava cobrindo o levante popular quando a barricada em que se encontrava foi atacada por um grupo paramilitar pró-governista que faz uso de armas de fogo.

Na manhã do dia seguinte, sábado, o novo presidente Felipe Calderón deu o aval para a invasão na cidade por parte da Polícia Federal Preventiva (PFP) e a partir desse dia a história da Comuna de Oaxaca deu uma guinada. As forças federais, com auxílio da polícia estadual e de milícias paramilitares priistas (pró-governo estadual), atuaram de maneira bruta em todo o Estado visando desmantelar por completo a Assembléia Popular do Povos de Oaxaca - prendendo, torturando, assassinando, seqüestrando, estuprando e saqueando o povo rebelde oaxaquenho.

Isso gerou uma campanha nacional e internacional de resistência e solidariedade à Comuna. Passadas três semanas diversos protestos surgiram em mais de trinta países. Para se ter noção de como a campanha flui rápido, logo na segunda-feira, 30 de Outubro, ao menos 14 cidades estadunidenses aderiram ao protesto. Em Nova Iorque, cerca de 11 manifestantes foram detidos. Na Europa, atos ocorreram em Londres e em Barcelona o Consulado do México foi ocupado por alguns minutos. Durante as semanas seguintes, no Brasil, a adesão à resistência se fez presente em Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Tefé (AM), Goiânia, Marília e Fortaleza. No México, alguns centros acadêmicos da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) foram ocupados, barricadas ao redor da universidade foram construídas e membros da APPO realizaram demonstrações com dezenas de milhares de pessoas nas ruas da capital do país.

Em Oaxaca o povo insurgente mudaria de tática e todas as suas ações estariam voltadas para uma resistência sem-fim, para manter a cidade sobre seu poder e assegurar a vida de todos e todas. Então, ao mesmo tempo em que mega-marchas eram realizadas na tentativa de pressão para derrubada de Ulises Ruiz, o povo se concentrava na proteção das barricadas e dos plantões juntamente com os prédios ocupados e tentava impedir a entrada da PFP na cidade com uma possível tomada da rádio universitária.

Esta rádio teve um papel enorme de comunicação interna municipal e também internacional, uma vez que fazia a transmissão pela internet espalhando tudo o que ocorria ao vivo de minuto a minuto e era retransmitida por centenas ou milhares de rádios livres no mundo todo. A rádio APPO, como era chamada a rádio da Universidade Autônoma Benito Juarez, foi um canal de concentração e de distribuição de informações, canal em que locutoras/es ficavam noticiando horas sem parar, tocando canções revolucionárias, recebendo chamadas telefônicas do mundo todo e narrando todos os acontecimentos.



*A resistência popular*




A cidade estava passando por dias de insurreição pacífica e organização popular maciça ao mesmo tempo em que era cenário de um estado de violência física, psicológica e emocional da repressão política que resultou em cerca de mais de 30 populares mortos/as e milhares deles/as feridos/as.

Conforme as tradições revividas a cada ano, no dia de Finados, 2 de novembro, a população se preparava para passar o dia nos cemitérios, compartilhando a comida, as flores, as dores e as alegrias com seus mortos. E exatamente nessa época (1 a 5 de novembro) a "Operação Juarez 2006" dava seus primeiros passos em torno da Universidade Autônoma Benito Juarez de Oaxaca (UABJO), tentando recrudescer a repressão à Comuna. A tentativa inicial é fracassada e o povo resiste fazendo os atacantes recuarem, mas neste mesmo dia a PFP acabou roubando o Zócalo do povo.

Passaram dias e a organização popular continuava se defendendo como podia e exigindo a saída de Ulises Ruiz do governo. Para além disto, a luta avançou em um novo setor: a construção de novas formas de fazer política. No congresso constitutivo da APPO, que terminou em 12 de novembro, as comunidades indígenas aderiram ao movimento. A adesão foi possível porque princípios como horizontalidade, ajuda mútua, e mesmo o "mandar obedecendo" de inspiração zapatista, ganharam força na organização que, se antes poderia ser identificada com uma esquerda mais tradicional, atualmente é algo bastante diferenciado, graças àqueles princípios já caros à resistência indígena. No dia 30 de outubro o Exército Zapatista de Libertação Nacional lançou um comunicado chamando ações em solidariedade aos povos de Oaxaca. Essas ações aconteceram em várias cidades do mundo no dia primeiro de novembro.

O mês de novembro adentrava e a sensação que se tinha agora era de estar ocorrendo um massacre na cidade insurgente. Os relatos de torturas cresciam em progressão aritmética; prisões, estupros, saques ao pequeno comércio e invasões de casas por parte das forças federais ocorriam sem parar. O terror Estatal estava à solta. No dia 25 de novembro a sétima mega-marcha tomou as ruas de Oaxaca - milhares de pessoas saíram para protestar pela saída do governador Ulises Ruiz e da Polícia Federal Preventiva, e também pela liberação de presas/os políticas/os. Esse ato acabou atingindo cerca de 6 km de marcha. Na convocação o chamado era para cercar pacificamente a PFP, que ocupava desde o dia 29 de Outubro o centro da cidade promovendo uma guerra de baixa intensidade. E sem dúvida foi um dos dias noticiados mais violentos, com no mínimo 3 mortes, milhares de desaparecimentos, detenções e feridos/as. Lembrando que a repressão vinha de outros lados também, nesse dia, entrou em ação a operação "as caravanas da morte", isto é, caminhonetes brancas com paramilitares fortemente armados atacando barricadas e pontos estratégicos da APPO.

Poucos dias se passaram e a Rádio Universitária 1400 (AM), acabou sendo entregue ao Reitor da UABJO. A rádio, localizada dentro da Universidade e que comunicava direto das barricadas que protegiam os prédios públicos ocupados, assim como denunciava as ações da PFP, era protegida também pela barricada 5 Señores". No entanto, dia 29 de novembro, após um mês da invasão das forças federais na cidade, a barricada foi desobstruída. E por ver que sem esta não havia nenhuma proteção para se continuar transmitindo, foi decidida a entrega da rádio ao Reitor da Cidade Universitária, o qual sempre se posicionou contra todas as tentativas de invasão que a PFP fez durante esse tempo.

Já era dezembro. A APPO se encontrava em clandestinidade e mesmo sem ter um veículo de comunicação e sem ter um local seguro para se organizar, não se intimidou e continuou convocando o povo para tomar as ruas e a resistir a toda repressão que agora já sabíamos de ter chegado em vilarejos indígenas em volta da capital. O EZLN tinha terminado a caminhada por todos os estados do México pelo projeto chamado ?A Outra Campanha?, em que vinha organizar grupos e indivíduos anticapitalistas no acúmulo de forças para o fazer de uma nova forma de política, desestabilizando a via institucional, uma vez que o ano de 2006 foi um ano de eleições no México. Além disso, o EZLN fez um chamado internacional de solidariedade à Comuna de Oaxaca para o dia 22 de dezembro, ato em que, novamente, milhares de pessoas foram às ruas em todo o mundo manifestar seu apoio às reivindicações do povo rebelde de Oaxaca reafirmando que toda a luta não será em vão. Quase todos os atos foram dirigidos às embaixadas ou consulados mexicanos nos devidos países solidários.

Desde o final de dezembro ao início de janeiro, a situação em Oaxaca se mantém crítica. A lista de pessoas torturadas e presas aumenta e o cerco midiático está funcionando como o governo quer. A repressão estatal domina a cidade. A Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca está na clandestinidade, encontra-se enclausurada e o termômetro para avaliar o movimento é a participação popular no seguinte objetivo: organização para libertação de todas as pessoas presas e a confirmação de desaparecidos/as e mortos/as, mais a proteção da sociedade organizada em revolta. Os meios de comunicação solidários à resistência estão tendo, também, um papel importantíssimo, aquele de apresentar ao mundo as histórias de lutas, dores e vitórias vividas verdadeiramente por centenas de milhares de mulheres e homens em busca do complexo sonho que é a dignidade de um povo. A dignidade de quem se encontra abaixo e organizado coletivamente de maneira autônoma e diretamente democrática.

Coincidente ao final do ano nota-se agora uma mudança de atmosfera, o futuro parece incerto e o ar é mais denso. As apostas foram feitas, as fichas foram arriscadas. E agora, o que restou?
Após a tempestade... a calmaria. Após a calmaria...


Por y.

Verão de 2007


***

Nota: esse artigo foi feito com a ajuda das publicações feitas ao longo dos meses no CMI Brasil, sendo que alguns trechos são paráfrases dos editoriais.
Link do artigo: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/01/370354.shtml

Nota: O artigo pode ser espalhado, desde que a fonte e o autor sejam citados e que não seja para fins comerciais

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